Existem muitas crenças associadas à não demonstração de força. Não podemos chorar em público. Não podemos fraquejar. Temos de ganhar, nem que seja na semântica. Temos de ser fortes em todas as áreas. A sensibilidade perdeu espaço e se antes era usada quase de forma misógina (como forma de inculcar a aversão pelo género feminino), hoje ninguém a pode mostrar. Já nem as crianças escapam: “não sejas mariquinhas, não chores.”
Estou a dar o pior cenário e de uma forma generalista, sei que existem exceções à regra e ainda bem. É com as exceções à regra que criamos inovadores que criam um mundo melhor. Há de facto uma crença de que temos de nos fazer de fortes. Na minha ideia diria até que é algo evolucionista: temos de nos safar e sobreviver. Nada contra. O problema é que ao encapotar a nossa sensibilidade, tapamos também a possibilidade de expressar as nossas emoções. Deixamos de pedir ajuda e tendemos para a criação de duas faces: a que não mostramos a ninguém (e às vezes nem a nós), e a que sai para o mundo, toda engalanada. E isto parece-me ser muito solitário.
Às vezes o difícil é não fazer de forte. Por vezes o desafio é saber baixar a guarda, tirar a armadura, deixar de ser duro, mostrar que existe um outro lugar atrás dessa muralha. É algo que não queremos mostrar, que escondemos porque construímos uma ideia de que não podemos mostrar esse lugar secreto. É uma construção que nos vai acompanhando no nosso crescimento e se não temos um lugar onde podemos tirar esta armadura (em casa, com a família ou amigos, por exemplo), vamos viver com um conflito interno entre as tais duas faces.
Vamos então separar as águas. As palavras têm muita força e influenciam os nossos estados psicoemocionais. Por isso, e na minha perspetiva é importante delimitar conceitos. Por um lado, há a fragilidade, que remete para algo que é frágil, que precisa de cuidados, que não se consegue cuidar, que é efémero ou “quebradiço” na sua totalidade. Por outro há a vulnerabilidade que remete para a existência de uma parte menos forte de algo. Como por exemplo as vulnerabilidades de um castelo, que terá os seus pontos fracos, mas que ainda assim não o concretizam na sua totalidade, pois essa estrutura terá os seus pontos fortes e inquebráveis.
Façamos agora a passagem para os nossos estados internos. Se nos vemos como frágeis, não nos concebemos fortes, mas se pudermos entrar em contacto com os nossos lugares vulneráveis, permitimo-nos acolher essa dicotomia em nós. Porque nós somos fortes e também vulneráveis, pois somos seres sencientes, sensíveis e com desafios. Partir de uma imagem de vulnerabilidade permite-nos acolher esse lado, sabendo que existe um lado de força para nos ajudar. É permitir que as emoções aflorem, sem ter medo que elas nos “partam” ou fragilizem. É contactar com os nossos defeitos ou incapacidades sem sermos engolidos por eles. É ver como os nossos mecanismos de defesa às vezes nos fazem mal, sem entrar em guerra com eles, que tanto nos ajudaram (e ajudam).
E às vezes pode ser mesmo uma questão de reorganização interna (do mental ao corporal) para que, no nosso dicionário interno, possamos mudar as definições destes conceitos. E assim, em vez de fragilidade, podemos falar de vulnerabilidade, que acarreta o lado forte que há em nós. Não quebramos, mas sentimos, passando pela dor e aprendendo com ela ao invés de a evitar, fingindo que não existe.
Se isto é fácil? Claro que não. É todo um processo, e um processo demora tempo e tem um princípio, muitos meios e às vezes não tem fim. Nada como começar.
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