N’O Conto da Ilha desconhecida, José Saramago diz: “é preciso sair da ilha para ver a ilha, que não nos vemos se não saímos de nós…”. E como isto faz sentido. Quando nos embrulhamos nos nossos problemas, nas nossas coisas difíceis, nas perturbações que nos mentem, afogamo-nos. Estas coisas são como uma poça, aparentemente. Mas quando lá estamos ficamos com elas até ao topo e a perspetiva perde-se. Quase afogados naquele tema, naquela sensação, naquele desconforto, tomamos a parte pelo todo: tudo dói, tudo é essa problemática.
Nessa inundação fica tudo confuso, perdemos clareza e fica difícil ver para além daquilo que nos causa dor, naquele momento. Sentimo-nos inundados ou afogados, mas certamente inebriados e sem um caminho, uma clareza ou uma luz que nos dê esperança de dias melhores ou que nos estenda a mão para nos retirar dali. E dali ninguém nos tira a não ser nós próprios. Claro que quem ou o que está do lado de fora pode ajudar: seja o terapeuta, a medicação, o exercício, o amigo ou o gato. Mas temos de, não só QUERER sair dali, como TER forças para o fazer e ACREDITAR que vale a pena fazê-lo.
Destotalizar
Mas, voltando à imagem da ilha e ao significado que retiro daquela frase: não nos vemos se não sairmos de nós; não vemos o todo que nos engole se não abrirmos a perspetiva. É preciso DESTOTALIZAR. Esta é uma ferramenta preciosa. Quando tomamos a parte pelo todo, ou seja, só vemos a ilha, o problema, a dificuldade, tornamo-nos nessa parte. Não temos uma depressão, somos deprimidos; não estamos ansiosos, somos ansiosos; não estamos a atravessar uma crise, somos a crise. E se de facto somos essa parte, como se fossemos só o furacão, não cuidamos do resto. Quando se é só furacão, só se destrói. Só se varre. Se formos também o solo, as árvores caídas, á água que extravasou, a pessoa que precisa de reconstruir a sua casa, abrimos a perspetiva: fazemos um zoom out, queremos ver o todo e em tela grande.
Precisamos de fazer isso em nós, com os nossos problemas e dificuldades. Estes são parte da nossa vivência: não é para varrer para debaixo do tapete. Eles estão lá. A questão é não deixar que eles ocupem todo o espaço, pois somos e temos muito mais.
Foto de Matheo JBT em Unsplash